Compartilhe

Mais uma vez agradecendo as pessoas que acompanham e comentam, mandando sugestões para melhoria dos textos. Na verdade, estou um pouco receoso, pois a maioria da primeira metade de Ventura foi modificada da versão anterior( escrita há um bom tempo), então pode ser que algumas passagens tenham um nível menor que outras. Se isso acontecer, podem me criticar a vontade, hehe.
Sem mais, o quarto capítulo.



# 04
Trote

   Ainda nervoso, Léo se dirigiu à entrada do prédio. Mas ao executar este ato, sua imagem ficaria a mercê de vários acontecimentos.

   Cinco degraus para o saguão do colégio era o que me separava de um novo mundo no qual teria de viver.
   Havia alguns garotos conversando em grupo, pouco depois da entrada. Por usarem o uniforme escolar, logo presumi que eram veteranos. Como se não bastasse o nervosismo de primeiro dia de aula, ainda tinha que me preocupar com algo muito pior e que morro de pavor: trote. Provavelmente haverá aqueles veteranos que querem se divertir com a insegurança dos outros. Sinceramente, odeio estes tipos de alunos. Como podem se divertir jogando as pessoas à humilhação de uma forma tão ridícula? Há tantas pessoas melhores do que eles que mereciam estar aqui.
   Foi quando eu notei que um dos garotos do grupo segurava um pote de tinta guache nas mãos. Reparando melhor, todos daquele grupo também portavam aquele temido objeto. E eles conversavam e riam de alguma coisa boba, provavelmente. Melhor assim. Continuem conversando para que eu passe despercebido do lado de vocês. Era o meu único pensamento naquela situação.  
   Me agarrando à essa possibilidade, sendo minha única saída para me livrar de uma situação indesejável, subi cautelosamente os últimos degraus. Ainda assim, me sentia nervoso e inseguro. O saguão aparentava ser bem grande, mas nem tive tempo de olhar os seus detalhes, pois o grupo se mantinha a poucos metros de distância à direita. Pelos sorrisos toscos que davam um para o outro, ainda pareciam entretidos. Ainda não me perceberam.
   Andei mais dois passos, passando pelo grupo, e me senti aliviado. Não queria nem imaginar como seria minha cara pintada. O meu receio se esvaiu e minha segurança retornou. Então, com minha cabeça menos apreensiva, parei no centro do hall, e reparei no piso. Me encontrava no meio da imagem de duas grandes asas negras pintadas no chão. Era uma visão muito vistosa, que por sinal, era o símbolo da escola.
   Infelizmente, algo que eu não previra aconteceu. Do nada, um daqueles garotos apareceu do meu lado pousando a mão no meu ombro. Senti um frio na barriga. Fiquei tão nervoso que nem o escutei dizendo a primeira frase, mas escutei claramente sua segunda.
- Que tal mudar um pouco o tom de seu rosto antes de entrar na sala?
   Não queria que isso fosse verdade. Eu, todo cauteloso para não ser pego em uma dessas brincadeiras de mau gosto, e no final, nada valeu a pena? Mas não era o fim. Eu ainda podia me safar dessa na conversa, o que não era meu forte.
- Desculpe, mas eu prefiro ir do jeito que estou – disse ao jovem que estava ao meu lado. Devia ter uns 18 ou 19 anos. Era um quase careca de olhos verdes. Provavelmente um veterano do tipo repetente.
   Eu tentei reiniciar minha passada, mas senti uma força que me impediu de andar. Era o mesmo cara, que apertou meu ombro, não querendo que me livrasse dele.
- Peraí, parceiro! Não precisa ter pressa. Deixo eu te explicar o que é isso? Você pode ver como uma brincadeira de mau gosto, mas é só uma forma de se enturmar com o ambiente da escola, principalmente com as pessoas daqui. É só uma brincadeirazinha que não vai te influenciar em nada.
   Eu olhei pra ele enquanto falava. Chegava a me irritar a forma como ele dizia e o que ele dizia. Tudo era uma brincadeira? Era um completo imbecil. Por isso que são repetentes. Esse tipo de gente é irrelevante. Só servem para causar problemas num mundo já cheio de problemas.
- Tem pessoas que não gostam dessa brincadeirazinha – falei com uma raiva tremenda querendo sair.
- E você é uma delas?
- Sou.
- Tudo bem. Eu não sou um cara muito chato nesse tipo de coisa. Se você não gosta, tá beleza. Não vou forçar você a fazer isso se não gostar, tá me entendendo? Só uma nota de dois e te libero.
   Essa última frase me enfureceu.
- Uma nota de dois reais? – perguntei, abaixando a cabeça com raiva e descrença. Ele queria mesmo me cobrar?
- É só um pedágio pra se livrar do trote. Não vai te fazer falta – Mais uma vez, a última frase me atingiu profundamente.
- Vai à merda seu playboy filho da mãe! – esbravejei num tom de ódio.
   Não sou uma pessoa de xingar os outros, mas dessa vez, tive que abrir uma exceção. Acham que eu nado em grana como eles para tratar dinheiro de uma forma tão desprezível? Eu tinha apenas o dinheiro da passagem de volta na mochila. E não tinha nada pra comer durante o intervalo das aulas. Teria que sobreviver apenas com o meu café da manhã. 
- Qual é a tua mané? Eu por acaso te xinguei? – perguntou o filho da mãe que não estava nada calmo agora. Mas me mantive calado. – Responde, porra!
   Olha quem está xingando agora!
- Não – respondi, já receoso pela situação ter tomado aquele rumo. Meu objetivo era sair ileso da tentativa de trote, mas parece que acabei de diminuir as chances disso acontecer.
- Agora não tem jeito. Tu vai ter que levar trote – Ele veio pra cima de mim. Me afastei alguns passos. Minha única saída era dar no pé.
   Me virei pronto pra correr, mas nem dei meu primeiro passo e parei ao ver mais três figuras marchando até mim. Estavam me cercando.
- Vai pra onde, aspira? – indagou o mais próximo. Um barrigudo cheio de piercings. Um na sobrancelha direita, outro no nariz, outro na língua e vários brincos na orelha. Que cara medonho!
- Bora passar um trote nesse filho da mãe – disse o que estava atrás de mim, o qual fora o primeiro a me parar.
   Senti meu estômago afundar e minhas pernas tremerem. Ou tentava passar por eles na marra ou pulava por cima deles. Que inveja do Hulk e do Homen-Aranha...
   Sem saída.
   Eles então me pegaram e me levantaram pelos braços e pelas pernas. Eu tentei me soltar, mas eram muitos me segurando.
- Parem! Me soltem! Me soltem! – gritei desesperadamente. Mas com certeza, nenhum deles iria me atender.
- Vamos levar esse doente pra fora. Bora pintar a cara até ele gritar que nem uma bicha – zoou o gordo.
   Nada bom. Nada bom.
   Por mais que eu dissesse “parem”, era inútil. Eles sentiam cada vez mais vontade de aplicar o trote. Com suas caras felizes e com meu corpo sendo segurado, eles andaram ainda adentro do terreno da escola até uma região não muito longe da entrada. Era um lugar gramado nem um pouco movimentado, à direita do prédio do colégio. Eles me jogaram em frente a uma das várias árvores que enfeitavam aquele recanto. Eu recuei deles até minhas costas colidirem com o tronco. Não havia mais pra onde correr. Todos estavam me cercando.
- Mostra a cara aí! – esbravejou um deles já com o dedo cheio de tinta azul. Eu tentei me defender, mas dois me seguraram, um deles era o gordão. Ele sozinho já valia por três. Enquanto isso, aquele que teve a intenção de me dar o trote no início passava o dedo no meu rosto. Pude sentir a fria tinta preenchendo minha face. Tive que cuspir, pois acabou entrando na minha boca.
- Olha só que bonitinho! – zombou terminando de tintar. Eu nada falei. Foi então que o outro deu a idéia.
- Pra combinar, agora só falta a roupa – Se não suportei a idéia de ter minha cara pintada, a roupa então era pior ainda.
- Não! Parem! Isso também já é humilhação. Eu não vou poder entrar na sala se minhas roupas ficarem desse jeito – tentei convencê-los. Como se fosse conseguir...
- Sabe que não seria uma má idéia – apoiou o gordo.
   Então eles recomeçaram. Só que dessa vez, os alvos eram a minha calça-jeans e principalmente a minha camisa.

3 comentários:

de Dai para Isie disse...

Bravo!

Muito bom, Luiz! A linguagem tá perfeita, solta, divertida, atraente, pulsante... (Hehe!)
Pô, não tem segurança nesse colégio, não? Esses caras não são alunos, são marginais. E o coitado do Leo de camisa branca...
Com você escrevendo desse jeito, não dá outra, quero ler mais, mais e mais!

Luiz Fernando Teodosio disse...

Nossa. Muito obrigado Isie. Fiquei na duvida se este cap ia agradar por ter sido um pouco(como você disse) mais solto que os outros.
Eh, se tivesse segurança em todos os colegios não haveria estes trotes bem humilhantes. Talvez o Ventura tenha mais defeitos do que aparenta nesse quesito.
Hehe, a cor da camisa dele vai mudar.
Aguenta mais alguns dias pra saber o resto. Fico satisfeito que eu esteja conseguindo prender você na história; é uma caracteristica que estou apostando muito nesse livro.
Até. :)

Yokuo disse...

Aaaah, o velho trote! Hehe. Esses desgraçados me dão uma raiva tamanha que você não tem ideia! Bom trabalho em me fazer odiar alguém em uma história, isso é um ótimo sinal! Haha.

Cada vez mais a gente simpatiza com o Léo. Não necessariamente identificar-se com ele, até porque eu, por exemplo, provavelmente não passei por metade do que ele passou e passa, mas rola sim uma empatia porque a gente fica torcendo por ele.