Compartilhe




Ainda me recordo dos livros que li “por obrigação” no Ensino Fundamental e Médio. É natural na metodologia escolar incorporar leituras obrigatórias ao aluno e depois mandá-lo fazer um trabalho sobre o livro ou, muito pior, responder questões de interpretação na prova — neste último caso, pode ocorrer, por mais inacreditável que possa parecer, que o aluno precise discorrer do ponto de vista do professor, como se a literatura não desse uma pluralidade de interpretações possíveis de um texto. Confesso que fico arrepiado só de pensar que já fiz parte desse cenário, que sofri nas mãos de um sistema tão debilitado e ditador. Em se tratando do meu “eu” leitor, quando comparo quem sou hoje com o garoto daquela época, me vejo agora completamente liberto. “Nossa, como sou diferente agora”, é o que digo a mim mesmo ao encarar o Luiz de anos atrás. Eu ainda não irei apontar como se deu essa mudança, mas permitam-me esmiuçar alguns dos impropérios que me enjaularam e açoitaram o leitor dentro de mim por um longo tempo e me fizeram ver a literatura como um grande ogro ao invés de um belo elfo.
Eu fico me perguntando qual seria o verdadeiro objetivo de uma aula de literatura. É provável que eu não seja um professor dessa área, então posso acabar falando algo ingênuo, mas baseio minhas impressões do ponto de vista de um leitor/aluno preocupado com a formação de leitores. Em minha opinião, a visão mais acertada seria criar esse objetivo conforme o âmbito, ou seja, tudo depende dos alunos; essa é a primeira análise de um professor de literatura: antes de olhar para a disciplina, olhar para seus próprios estudantes e procurar traçar o perfil de leitor de cada um deles. Nada como um bate-papo para averiguar as preferências literárias de cada um, embora não seja raro de encontrar alunos que nunca se deram bem com os livros. Baseando-se nessa pesquisa, o professor pode indicar livros que se encaixem em determinados perfis, o que significa dizer que o professor deve procurar conhecer os mais variados tipos de obras; ele é professor de Literatura, afinal. Talvez seja um pouco deste interesse do professor pelos alunos que esteja carente no ensino, em outras palavras, incentivo a leitura, nada mais. Não importa que tipo de livro o aluno goste, desde que goste de lê-lo; é salutar que não se faça a imbecilidade de dizer que é perda de tempo ler tal livro e que o aluno deveria ler outro: se a garota se interessou por romances de chick-lit, que ela leia chick-lit; se o garoto se interessou por fantasia medieval, que ele leia fantasia medieval. Juro que até hoje não compreendi essa “perda de tempo” que alguns leitores mais intelectuais e críticos pregam na literatura. Quem manda na vida do leitor não é ninguém além do próprio leitor.


Mas, por enquanto, vamos deixar um pouco de lado essa parte do incentivo a leitura e nos ater no que é ensinada e na forma como é ensinada a Literatura.
Começaremos pelo Ensino Fundamental em que muitas das vezes nem existe uma disciplina chamada Literatura, sendo esta ensinada na aula de português, que por sua vez, mostra-se como uma salada de matérias: gramática, literatura, produção de texto e se sabe lá mais o que. Coitado do professor que possui tão pouco tempo para administrar uma gama de assuntos tão diversificados. Geralmente o ensino é mais focado na gramática, que também sofre do mesmo problema da literatura: não é ensinada de uma forma atraente aos alunos. Eu mesmo estou tendo uma grande surpresa na faculdade de Letras, pois nunca gostei do estudo de literatura e tão pouco da língua; não me perguntem por que estou fazendo faculdade de uma disciplina que odiava na escola. Na verdade, hoje percebo que meu desgosto não era pela disciplina, mas sim a forma como ela era mostrada. E querem saber? É exatamente esse um dos motivos de haver tantos “haters” de literatura.
“[…] ao ensinar uma disciplina, a ênfase deve recair sobre a disciplina em si ou sobre seu objeto.” (TODOROV, 2007, p. 26)

Já notaram que para cada disciplina são adotados dois tipos de perspectivas diferentes? Ou se dá destaque na própria disciplina ou no objeto de estudo dessa disciplina. No primeiro panorama, temos a Física: o estudo é voltado para os meios pelos quais avaliamos o objeto, ou seja, fórmulas e fórmulas para se decorar a fim de aplicá-las aos objetos. Em contrapartida, no segundo panorama, temos a História: estudamos os momentos marcantes da História e não as mentalidades econômicas, militares ou religiosas, ou seja, o foco é sempre o objeto e não os meios. Pergunta: em qual desses panoramas encaixa-se a Literatura?… Se você pensou no primeiro, então acertou. No âmbito da literatura temos os instrumentos de estudo (teorias a fim de estudar a disciplina) e o objeto de estudo (a obra), sendo o ensino focado no primeiro item.
É interessante notar que, quando crianças, os alunos são instruídos a se focarem no livro, mas conforme avançamos no currículo escolar, essa perspectiva se inverte e passamos a estudar as teorias por meio das quais estudamos a obra. A atenção moveu-se do objeto para os instrumentos, e isso se configura plenamente no Ensino Médio.
Então pegamos alunos que pouco contato têm com os livros, como é o caso da maioria, e os obrigamos a se inteirar de instrumentos analíticos que certamente não entenderão, além de achá-los indigestos e chatos. Qual a razão de ensiná-lo tudo isso sem antes despertar nele o amor pelo o que estuda? É lógico que as aulas de literatura ficarão entediantes.
As obras deveriam ser estudadas em si antes de categorizadas em movimentos literários e contextos históricos. A avaliação de uma obra a luz destes métodos seria destinada a Ciência da Literatura, o que não diz respeito ao leitor “não-profissional” do Ensino Médio. Para ilustrar esse problema, Caio Meira, que faz a apresentação à edição brasileira do livro de Todorov, cita uma bela imagem de Henry James.

“… a obra literária é um organismo vivo, para que a teoria e a crítica literária formadores dos professores de literatura não matem seu paciente prematuramente no espírito de futuros leitores, ou seja, para que o próprio leitor não morra como leitor, a arte poética e ficcional deve ser apresentada em primeiro lugar em seu estranho poder imprevisto, encantador, emocionante, de forma a criar raízes profundas o suficiente para que nenhum corte analítico ou metodológico venha a podar sua presença criadora, para que nenhuma de suas partes essenciais seja amputada antes que ela aprenda a se mover e nos acompanhe pelos sentidos que damos à vida à medida que vivemos.”

Na próxima parte (talvez sejam quatro ao todo) tentarei explorar um pouco mais as questões introduzidas aqui.

4 comentários:

Srta Plens disse...

Graças a Deus eu não fui obrigada a ler nenhuma obra literária quando estava no Ens. Fundamental, mas a vontade de ler nasceu antes. O legal é que no Ens. Médio a professor de Português fazia a gente escolher dois livros para lermos e depois fazia uma prova deles, isso em cada bimestre. No final do ano tínhamos lido 8 livros que nós mesmos escolhemos. Acho que devia haver mais professores assim.

Luiz Fernando Teodosio disse...

Pois é. Seria interessante os professores deixarem os próprios alunos escolherem os livros. Mesmo que eles acabem não gostando no final, as chances de tentarem ler serão maiores pois a decisão partiu deles.

Anônimo disse...

Concordo plenamente com o que você disse sobre o ensino da literatura na escola estar muito atrelado à fórmulas enquanto devia prezar pela literatura em si. A minha sorte, como a Srta Plens já tinha falado antes, foi que eu me apaixonei pelos livros antes de entrar em contato com eles dessa forma na escola. Pouquíssimos dos livros que os meus professores passaram me interessaram, a leitura era sempre arrastada, jogada para frente até o último minuto ou mesmo não concluída. Fazer resumos me tiravam noites de sono sem acrescentar nada a minha vida e - é romântico eu sei - para mim um livro só se torna válido e especial quando ele acrescenta alguma coisa. Mesmo que você não concorde com o que está dizendo, o livro tem que fazer uma reviravolta nos seus pensamentos mesmo e não aconteceu comigo enquanto lia José de Alencar e Jorge Amado aos 14 anos. Como posso ser professora nessa área - talvez, ainda não tenho certeza - me preocupo bastante com essa questão, pois quero fazer de forma diferente, não gosto da ideia de contrariar aquilo que penso, mas, por outro lado, não posso passar por cima das fórmulas, elas estarão lá e eu terei a obrigação de passá-las aos alunos, faz parte do conteúdo obrigatório e é o que se cobra nos vestibulares. Meu desafio é conseguir um meio de unir uma coisa à outra e torcer para que dê certo.

Luiz Fernando Teodosio disse...

Oi, Camila. Fico feliz de vê-la comentando por aqui. :)

Todos os livros acrescentam algo em nossa vida, seja por meio de reflexões ou por emoções vividas por tal personagem; claro, tudo depende do quanto conseguimos apreender de uma obra, até que camada de significação do livro somos capazes de enxergar. Ler Jorge Amado ou qualquer outro autor clássico certamente deve ser penoso para alguém de 14 anos, embora você já tenha sido mordida pelo bichinho da literatura desde criança.
Ainda vou pesquisar a respeito de novas formas de ensinar literatura na sala de aula. Talvez eu deixe isso para a última postagem.