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Seguindo a onda do gênero literário que está na moda (se é que a moda ainda é esta), me aventurei nas páginas do romance juvenil pós-apocalíptico de Michael Grant, Gone. Esse gênero tem como característica colocar personagens jovens como crianças ou adolescentes num patamar adulto, obrigando-os a agirem com a maturidade ainda não alcançada pela idade. Não é uma tarefa fácil representar personagens juvenis transformados em adultos, é necessário parecer que vemos realmente crianças e adolescentes pressionados por um mundo insano, que os impele a largar quase tudo que os faz serem jovens para embarcaram numa precoce transformação psicologicamente adulta. Neste ponto, Gone se sobressaiu muito bem, sendo este, muito mais que os poderes que os personagens eventualmente adquirem, o fator mais atraente da história. 

 Antes de mais nada, alguns detalhes sobre a edição da Galera Record. É comum a alteração das capas de livros estrangeiros, e no caso de Gone, há um detalhe que pode mexer com algumas pessoas. Pra ser sincero, sou quase indiferente ao fato de aparecerem os personagens dos livros na capa, seja eles desenhados ou em carne e osso. De um lado, isso atrapalha aquela relação íntima que o leitor faz das imagens dos personagens, quase todos gostam de construí-las a seu bel prazer. Por outro lado, para os leitores que não possuem lá tanta criatividade para construir os personagens na mente, a imagem de alguns deles é uma ajuda e tanto. Minha única colocação neste problema é que minha preferência vai depender muito de como os personagens estão descritos no livro: se são descritos vagamente ou se o autor explora os mínimos detalhes do corpo e vestimenta. Em relação a Gone, ocorre o tipo de descrição razoável — bem como o estilo narrativo do livro —, logo eu não me importaria em olhar para os personagens em carne e osso. Ademais, eu até achei a capa americana mais “da hora”, claro, sem querer depreciar a capa da Galera Record que também mandou muito bem na arte. 

Apenas salientando mais um detalhe sobre a edição, agradeço pela formatação com as linhas bem espaçadas — não gosto de livros em que você olha para a página e se perde no meio de tantas palavras quase grudadas; demora dias só pra passar uma página. Em contrapartida, o livro ficou com forma de tijolo. 

A sinopse do livro é o que com certeza faz muita gente olhá-lo com interesse. Um mundo sem adultos... todas as crianças com mais de quatorze anos desaparecem... animais sofrendo mutação... jovens ganhando poderes..., enfim, um leque de motivos para dar início a uma longa leitura. 

A história já começa fazendo jus a sinopse, quando logo na primeira página, Sam Temple, na sala de aula, vê seu professor desaparecer — evento que os personagens eventualmente passaram a chamar de “puf”. Mas não foi apenas o professor da sala de Sam que “pufou”, mas todos os professores da escola, não, todos os adultos da escola, pior ainda, todos os adultos da cidade de Praia Perdida, ou mais especificamente, todas as pessoas com mais de quatorze anos. Tentando descobrir o que ocorria na cidade, Sam sai da escola acompanhado de Quinn, seu melhor amigo, e Astrid, a garota gênio pela qual ele guarda um amor escondido. Devo dizer que eles chegam a lembrar vagamente Harry, Hermione e Rony — um corajoso, uma sabe-tudo e um covarde e invejoso em alguns momentos; felizmente a relação amorosa com a garota, dessa vez, está a favor do protagonista. 

A confusão começa a se instaurar entre as crianças. Ninguém sabe o que está realmente acontecendo. Num mundo sem adultos, sem pessoas responsáveis, elas terão de se unirem socialmente e tentar conviver numa cidade, enfrentando muitos problemas que os adultos normalmente enfrentam. Por exemplo, cuidar de bebês e crianças menores é algo que eles terão de resolver. 

Já não bastasse todo esse panorama anormal e apocalíptico, eventos ainda mais bizarros começam a acontecer: algumas crianças acabam desenvolvendo poderes especiais. Isso poderia ser um fator negativo no enredo do livro, mas foi o contrário, Michael soube desenvolver esses elementos de modo que a trama não parecesse clichê. E para complicar ainda mais a situação das crianças de Praia Perdida, jovens da Academia Cotes, localizado nos arredores da cidade, assumem a liderança neste novo mundo. O foco da trama gira em torno do embate entre os jovens de Coates e os de Praia perdida, ambos com seus integrantes detentores de poderes especiais. 

Os personagens não ficam atrás, sendo eles um dos grandes diferenciais do livro. Não é muito comum na literatura juvenil vermos personagens “estranhos” ao nosso conhecimento. Refiro-me aos indivíduos da sociedade que carregam alguns problemas que poucas pessoas conhecem realmente, e muito menos sabem como lidar com estes indivíduos. Diferente de outras histórias juvenis, com personagens que poderiam se enquadrar perfeitamente no plano “comum” de nosso senso, Gone apresenta dois personagens bastante interessantes. A primeira delas é a personagem Maria, que na trama, cuida das crianças pequenas na creche; uma verdadeira mãe, mas que na verdade, esconde algo que a própria sente vergonha: bulimia. E o segundo personagem, talvez o mais importante de toda a história, é o pequeno Pete, irmão caçula de Astrid. Pete é autista, e é interessante notar um personagem deste porte numa obra juvenil, e sendo que a criança não fica exatamente como um personagem secundário, possuindo grande relevância no enredo. Outros conflitos como o bullying também são explorados a partir de outros personagens. 

Embora o desenvolvimento da trama tenha sido instigante, o mesmo não se pode dizer da linguagem rasa utilizada na narração. O livro poderia abusar de uma linguagem mais madura tendo em vista alguns aspectos bem violentos que ocorrem na história, o que acaba elevando um pouco a faixa etária apropriada para leitura. Embora crianças e pré-adolescentes sejam os atores neste palco apocalíptico, a história não possui uma atmosfera amena, ela é tensa e abrupta. Os mistérios acerca de Praia Perdida — embalada numa espécie de bolha — e do temido “puf” ao completar quinze anos são enigmas que não chegam a ser revelados durante o livro, e que o autor poderia ter explorado um pouco mais. O foco principal da história ficou mais sobre o confronto dos pré-adolescentes de Praia Perdida contra a Academia Coates. 

A nomeação dos capítulos do livro é interessante, um método perfeito para manter o leitor apreensivo até as últimas páginas. Ao invés da habitual separação com nomes, Gone utiliza horas cronometradas, em ordem decrescente, que começam no exato momento do “puf” e terminam no horário exato do décimo quinto aniversário do protagonista. Fica a ansiedade de ver aqueles minutos passarem rápido a cada virada de página e, sentir junto ao personagem, a ansiedade e o temor da hora em que completar quinze anos. 

O final do livro deixa um grande sabor de quero mais para a sequencia da série: Famintos. Certamente os leitores que gostaram da história estão famintos para degustar o próximo livro. 

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P.s: No site da Fantástica, há duas matérias interessantes a respeito da utilização de personagens autistas na literatura. Vale a pena dar uma olhada lá. 

4 comentários:

Anônimo disse...

Por mais que eu não goste de Young Adult (Infanto-Juvenil), com raras exceções, achei a resenha interessante. Gone não me chamou a atenção, porque tem muitas obras parecidas com ele já.

Luiz Fernando Teodosio disse...

Sim, Gone é mais um desses livros que seguem a temática da moda, porém, eu achei que ele apresentou alguns elementos bem peculiares. Como é uma série longa(sete livros), resta saber se a qualidade da história vai aumentar ou diminuir.

Obrigado pelo comentário.

Anônimo disse...

Não li mas a premissa de jovens terem que se virar sem adultos lembra "O Senhor das Moscas", o que muda mesmo são os elementos fantásticos de "Gone". Parece que a tendência agora é colocar jovens em uma situação extrema de sobrevivência, como também fez "Jogos Vorazes". Aliás, eu acho esse última bem parecido com a idéia de "Battle Royale" que, por acaso, antes virar mangá era um livro.
Essa moda, no entanto, pode ser muito bem aproveitada se os autores evitarem ou explorarem os clichês de forma criativa.

Luiz Fernando Teodosio disse...

"O Senhor das Moscas" está na minha lista de leituras futuras. E você falou um fato sobre "Jogos Vorazes"- ainda lerei também -, a premissa deste se parece muito com Battle Royale; tenho quase certeza que o livro pegou um pouco desta obra cult do oriente.
Obrigado pelo comentário.